Hoje publicamos um texto da autoria de Isabel Oliveira (I.deal - Diálogos em Rede), parceira e muito amiga desta casa, sobre as práticas restaurativas em contexto escolar.
Que escola queremos para os nossos filhos?
"O que se faz agora com as crianças é o que elas farão depois com a sociedade” (Karl Mannheim).
Uma nova Proposta para a resolução de conflitos em contexto escolar
(este
texto faz parte de um artigo sobre circulos restaurativos em contexto
escolar)
Isabel Oliveira ( isabel.oliveira.i.deal@gmail.com)
“Todos
dizem que o rio é violento,
Mas
ninguém culpa as margens
que o comprimem”
(B.
Brecht)
Actualmente escolas, professores e alunos são
pressionados para obterem bons resultados em testes padronizados,
aplicados de norte a sul do país, estabelecendo-se um ranking de
mérito entre as escolas em função dos resultados obtidos pelos
alunos nos chamados testes de aferição.
A pressão para cumprir com o planeado em termos de
programa académico, parece deixar pouco tempo para gerir
comportamentos de uma forma pedagógica, positiva e eficiente. Gerir
emoções e comportamentos, no sentido de proporcionar uma
aprendizagem para a sua transformação exige tempo.
Parece que “encher recptáculos de informação” se
tornou mais importante do que a reflexão e a aprendizagem de
competências sociais e emocionais.
Os conflitos em contexto escolar merecem ser olhados de
uma forma educada e educadora, com vista não apenas á sua gestão e
resolução, mas também à sua utilização como meio de
aprendizagem de competências de resolução de problemas e de
exercicio de uma cidadania reflexiva e responsável.
Consequentemente, a introdução de práticas
restaurativas para lidar com comportamentos disruptivos, infracções
disciplinares e até infracções mais graves, que ocorrem dentro do
contexto escolar ou com os seus membros, torna-se na sociedade de
hoje uma necessidade cada vez mais premente. Se quisermos pensar numa
escola inclusiva, tolerante com as diferenças, responsável pela
resolução dos seus problemas, promotora de uma cidadania activa, é
urgente introduzir no seu seio meios de gestão e resolução de
problemas que humanizem as pessoas e as cuidem, sem deixar de
promover a defesa dos valores da comunidade e da reparação efectiva
dos danos.
Neste contexto, juntamos à proposta de mediação entre
pares, a introdução dos métodos de conversas em círculo e
conversas restaurativas.
Disciplina e Punição: porquê e para quê uma opção restaurativa?
Trabalhar com procedimentos restaurativos é uma forma
de estar e ser, que é igualmente exigente no cumprimento das
normas de comportamento (estabelecimento de limites e de pressão
para o seu cumprimento) e justo no que se refere a apoiar (cuidar)
crianças e jovens em desenvolver comportamentos e competências
socias que promovam relações interpessoais positivas e cooperativas
e garantam uma convivência segura. (Thorsborne & Blood, 2013).1
Howard Zher (2007)2
chama a atenção para algumas razões pelas quais há problemas com
os sistemas punitivos:
- Existe o risco de que os infractores venham simplesmente a ficar zangados com aqueles que os punem. [A punição, traduzida na aplicação de uma sanção ou consequência negativa, “cria um clima de medo e o medo produz raiva e ressentimento” - nas palavras de Alfie Kohn (2000)3 ].
- A ameaça da punição leva, muitas vezes, à negação da responsabilidade (invocando inocência, ou pura e simplesmente mentindo), a arranjar desculpas e justificações, ou mesmo a minimizar o dano causado (podem aguentar, ninguém se magoou).
- O infractor não é encorajado a empatizar com a vitima, visto que não há um processo de aproximação.
- A punição não vai até às causas do comportamento, não se debruça sobre a raiz do problema.4
Existem um sem número de estudos, bastante convincentes
e fundamentados, que demonstram que a punição, por si só, é
contraproducente porque não permite criar um clima de saudável
relacionamento na comunidade escolar, produzindo antes um sentimento
de desconexão e afastamento do ambiente escolar. O impacto deste
sentimento de desconexão em algumas crianças e jovens pode levá-las
a magorem-se a si mesmas ou a magoar outros, a assumir comportamentos
de risco em que se põe a si e ao grupo em perigo.
Isto poderá ser mais comum em crianças que já vivem
nas suas vidas múltiplas situações de stress ou trauma,
sendo que a punição contribui para aumentar este stress, o
que é bem evidente naquelas crianças que facilmente explodem e
manifestam emoções de raiva e fúria quando de algum modo são
desafiadas em função do seu comportamento.
Se o objectivo da punição é a mudança de
comportamento, não parece que esta o consiga, aliás em algumas
situações torna-o mais rígido e fixo. Talvez porque o objectivo da
punição e dos sistemas retributivos é o de repor a norma violada,
sanciona-se a pessoa que violou a norma que garante o funcionamento
do grupo, da comunidade; ao invés dos sistemas restaurativos que
focam o seu objectivo na reparação do dano causado à pessoa, na
responsabilidade pelo comportamento e pelas consequências que este
provocou no outro.
Esta assunção põe em confronto dois paradigmas, o da
Justiça Retributiva e o da Justiça Restaurativa.
Justiça
Retributiva
|
Justiça
Restaurativa
|
Crimes
e delitos são violações de leis/normas/regras que não foram
cumpridas.
|
Crimes
e delitos são violações das relações interpessoais: Quem foi
magoado? De que forma?
|
A
culpa deve ser atribuída: quem fez isto?
|
As
obrigações devem ser reconhecidas: quais são estas?
|
A
punição deve ser imposta: o que é que merecem?
|
Como
pode o dano ser reparado?
|
Fig. Tabela daptada
de Howard Zehr (2002)5
A justiça retributiva tende a isolar o
ofensor/infractor de qualquer ligação ou contacto com aquele ou
aqueles a quem causou dano, não proporcionando um espaço ou
contexto de resolução de problemas entre eles. É o Estado ou a
instituição que assume a responsabilidade da decisão sobre a
sanção a ser aplicada.
Numa abordagem com base na justiça restaurativa para
resolver o problema, ofensor e ofendido, agressor e vítima são
envolvidos num processo de diálogo que explora o que aconteceu, que
dano foi causado e em conjunto tomam decisões sobre como vão agir
no futuro e o que é necessário que aconteça para reparar o dano
causado (ainda que dentro dos limites impostos pelo quadro
legislativo às suas decisões.
Citando Ted Wachtel, Presidente do International
Institute for Restorative Practices:
“Uma das
principais suposições da nossa sociedade sobre a punição é a de
que esta torna os ofensores responsáveis. No entanto, para um
estudante ofensor (agressor) a punição é uma experiência passiva,
que exige pouca ou nenhuma participação. Enquanto o professor ou o
Director chamam a atenção, ralham e impõem a sanção, o
estudante permanece em silêncio, ressentido com a figura de
autoridade, a sentir-se zangado e como se ele fosse a vítima. O
aluno/ofensor não pensa nas reais vítimas da sua agressão ou nos
outros indivíduos que foram adversamente afectados pela sua conduta.
Então, estamos a tornar este estudante responsável?
Fazer coisas a
um estudante ofensor, apenas leva à sua alienação. Precisamos de
fazer coisas com
ele. Precisamos de
o envolver num processo activo que o torne verdadeiramente
responsável. Simultaneamente, queremos construir relações
positivas entre o estudante e aqueles que foram afectados pelo seu
comportamento.
(…) A
abordagem restaurativa à disciplina social expande as nossas opções
para além do tradicional continuum punitivo-permissivo.”6
4Sobre
esta questão, propomos a leitura da obra de Alfie Kohn (2006)
Beyond Discipline: From Compliance to Community. ASCD, Alessandria.
6Wachtel,
Ted (1999) “Restoring Community in a Disconnected World”
(adapted from “Restorative Justice in Everiday Life: Beyond the
Formal Ritual,” a paper presented at the “Reshaping Australian
Institutions Conference: restorative Justice and Civil Society,”
The Australian National University, Canberra, February 16-18.