quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

A Justiça Restaurativa e a Mediação Escolar

Boa tarde,

Hoje publicamos um texto da autoria de Isabel Oliveira (I.deal - Diálogos em Rede), parceira e muito amiga desta casa, sobre as práticas restaurativas em contexto escolar.

Que escola queremos para os nossos filhos?

"O que se faz agora com as crianças é o que elas farão depois com a sociedade” (Karl Mannheim).





Uma nova Proposta para a resolução de conflitos em contexto escolar
(este texto faz parte de um artigo sobre circulos restaurativos em contexto escolar)
 
Todos dizem que o rio é violento, Mas ninguém culpa as margens que o comprimem” (B. Brecht)
 
 
Actualmente escolas, professores e alunos são pressionados para obterem bons resultados em testes padronizados, aplicados de norte a sul do país, estabelecendo-se um ranking de mérito entre as escolas em função dos resultados obtidos pelos alunos nos chamados testes de aferição.
A pressão para cumprir com o planeado em termos de programa académico, parece deixar pouco tempo para gerir comportamentos de uma forma pedagógica, positiva e eficiente. Gerir emoções e comportamentos, no sentido de proporcionar uma aprendizagem para a sua transformação exige tempo.
Parece que “encher recptáculos de informação” se tornou mais importante do que a reflexão e a aprendizagem de competências sociais e emocionais.
Os conflitos em contexto escolar merecem ser olhados de uma forma educada e educadora, com vista não apenas á sua gestão e resolução, mas também à sua utilização como meio de aprendizagem de competências de resolução de problemas e de exercicio de uma cidadania reflexiva e responsável.
Consequentemente, a introdução de práticas restaurativas para lidar com comportamentos disruptivos, infracções disciplinares e até infracções mais graves, que ocorrem dentro do contexto escolar ou com os seus membros, torna-se na sociedade de hoje uma necessidade cada vez mais premente. Se quisermos pensar numa escola inclusiva, tolerante com as diferenças, responsável pela resolução dos seus problemas, promotora de uma cidadania activa, é urgente introduzir no seu seio meios de gestão e resolução de problemas que humanizem as pessoas e as cuidem, sem deixar de promover a defesa dos valores da comunidade e da reparação efectiva dos danos.
Neste contexto, juntamos à proposta de mediação entre pares, a introdução dos métodos de conversas em círculo e conversas restaurativas.
 

Disciplina e Punição: porquê e para quê uma opção restaurativa?

Trabalhar com procedimentos restaurativos é uma forma de estar e ser, que é igualmente exigente no cumprimento das normas de comportamento (estabelecimento de limites e de pressão para o seu cumprimento) e justo no que se refere a apoiar (cuidar) crianças e jovens em desenvolver comportamentos e competências socias que promovam relações interpessoais positivas e cooperativas e garantam uma convivência segura. (Thorsborne & Blood, 2013).1
Howard Zher (2007)2 chama a atenção para algumas razões pelas quais há problemas com os sistemas punitivos:
  • Existe o risco de que os infractores venham simplesmente a ficar zangados com aqueles que os punem. [A punição, traduzida na aplicação de uma sanção ou consequência negativa, “cria um clima de medo e o medo produz raiva e ressentimento” - nas palavras de Alfie Kohn (2000)3 ].
  • A ameaça da punição leva, muitas vezes, à negação da responsabilidade (invocando inocência, ou pura e simplesmente mentindo), a arranjar desculpas e justificações, ou mesmo a minimizar o dano causado (podem aguentar, ninguém se magoou).
  • O infractor não é encorajado a empatizar com a vitima, visto que não há um processo de aproximação.
  • A punição não vai até às causas do comportamento, não se debruça sobre a raiz do problema.4
Existem um sem número de estudos, bastante convincentes e fundamentados, que demonstram que a punição, por si só, é contraproducente porque não permite criar um clima de saudável relacionamento na comunidade escolar, produzindo antes um sentimento de desconexão e afastamento do ambiente escolar. O impacto deste sentimento de desconexão em algumas crianças e jovens pode levá-las a magorem-se a si mesmas ou a magoar outros, a assumir comportamentos de risco em que se põe a si e ao grupo em perigo.
Isto poderá ser mais comum em crianças que já vivem nas suas vidas múltiplas situações de stress ou trauma, sendo que a punição contribui para aumentar este stress, o que é bem evidente naquelas crianças que facilmente explodem e manifestam emoções de raiva e fúria quando de algum modo são desafiadas em função do seu comportamento.
Se o objectivo da punição é a mudança de comportamento, não parece que esta o consiga, aliás em algumas situações torna-o mais rígido e fixo. Talvez porque o objectivo da punição e dos sistemas retributivos é o de repor a norma violada, sanciona-se a pessoa que violou a norma que garante o funcionamento do grupo, da comunidade; ao invés dos sistemas restaurativos que focam o seu objectivo na reparação do dano causado à pessoa, na responsabilidade pelo comportamento e pelas consequências que este provocou no outro.
Esta assunção põe em confronto dois paradigmas, o da Justiça Retributiva e o da Justiça Restaurativa.
 
Justiça Retributiva
Justiça Restaurativa
Crimes e delitos são violações de leis/normas/regras que não foram cumpridas.
Crimes e delitos são violações das relações interpessoais: Quem foi magoado? De que forma?
A culpa deve ser atribuída: quem fez isto?
As obrigações devem ser reconhecidas: quais são estas?
A punição deve ser imposta: o que é que merecem?
Como pode o dano ser reparado?
Fig. Tabela daptada de Howard Zehr (2002)5
 
A justiça retributiva tende a isolar o ofensor/infractor de qualquer ligação ou contacto com aquele ou aqueles a quem causou dano, não proporcionando um espaço ou contexto de resolução de problemas entre eles. É o Estado ou a instituição que assume a responsabilidade da decisão sobre a sanção a ser aplicada.
Numa abordagem com base na justiça restaurativa para resolver o problema, ofensor e ofendido, agressor e vítima são envolvidos num processo de diálogo que explora o que aconteceu, que dano foi causado e em conjunto tomam decisões sobre como vão agir no futuro e o que é necessário que aconteça para reparar o dano causado (ainda que dentro dos limites impostos pelo quadro legislativo às suas decisões.
Citando Ted Wachtel, Presidente do International Institute for Restorative Practices:
Uma das principais suposições da nossa sociedade sobre a punição é a de que esta torna os ofensores responsáveis. No entanto, para um estudante ofensor (agressor) a punição é uma experiência passiva, que exige pouca ou nenhuma participação. Enquanto o professor ou o Director chamam a atenção, ralham e impõem a sanção, o estudante permanece em silêncio, ressentido com a figura de autoridade, a sentir-se zangado e como se ele fosse a vítima. O aluno/ofensor não pensa nas reais vítimas da sua agressão ou nos outros indivíduos que foram adversamente afectados pela sua conduta. Então, estamos a tornar este estudante responsável?
Fazer coisas a um estudante ofensor, apenas leva à sua alienação. Precisamos de fazer coisas com ele. Precisamos de o envolver num processo activo que o torne verdadeiramente responsável. Simultaneamente, queremos construir relações positivas entre o estudante e aqueles que foram afectados pelo seu comportamento.
(…) A abordagem restaurativa à disciplina social expande as nossas opções para além do tradicional continuum punitivo-permissivo.”6
1In. “a janela da disciplina social” de Ted Wachtel.
2In Thorsborne & Blood (2013), op. Cit. Pág. 24
3In Thorsborne & Blood (2013), op. Cit. Pág. 24
4Sobre esta questão, propomos a leitura da obra de Alfie Kohn (2006) Beyond Discipline: From Compliance to Community. ASCD, Alessandria.
5In Thorsborne & Blood (2013), op. Cit. Pág. 20
6Wachtel, Ted (1999) “Restoring Community in a Disconnected World” (adapted from “Restorative Justice in Everiday Life: Beyond the Formal Ritual,” a paper presented at the “Reshaping Australian Institutions Conference: restorative Justice and Civil Society,” The Australian National University, Canberra, February 16-18.

quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Ser pai....

Bom dia,

Hoje deixamo-vos um pequeno texto de um pai, sobre os seus sentimentos pelos filhos. Simples, apaixonado, vindo das profundezas do seu coração.
Rui D. é Professor Universitário e Gestor. Casado, pai de duas crianças com 9 e 5 anos, diz habitualmente que só percebe números, não percebe letras!! Pouco habituado a falar e escrever sobre si e sobre o que sente, foi com algum esforço que conseguiu por no papel os seus sentimentos de pai.
Simples, singelo, sincero....

"Ser pai é….:
 
Ser pai é ser criança, 
É ser filho,
Ser pai é ser irmão, 
É ser amigo,
Ser Pai....
É um presente divino,
É dedicação, exemplo, AMOR!
É ser presenteado todos os dias no regresso a casa....

É olhá-los e perceber que são a prova do amor,
É a possibilidade de ser amado para sempre...!!"

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Dia Europeu da Mediação de Conflitos!!


Bom dia!!!

Hoje é um dia muito importante, que não podemos deixar de assinalar:


Dia 21 de Janeiro: Dia Europeu da Mediação de Conflitos!!
 
 
Junte-se a nós e divulgue a Mediação.
 
Por uma cultura de paz....
 

terça-feira, 13 de janeiro de 2015

O tempo... ou a falta dele!


Boa tarde e bem vindos!!!
Hoje deixamos uma reflexão sobre o tempo, o tempo que não temos. Da nossa colaboradora MC.
"Tempo. Olho para o relógio e penso: “Meu Deus! Já são 11h! Como é possível? Como é que já passaram estas horas todas e meu não dei por nada?”
Tempo. Olho para o relógio e são 17h. Suuusto!!! Mais um dia que está prestes a chegar ao fim….

Depois…. Tempo. Olho para o relógio e são 23h30.
E os dias passam, as semanas passam, os meses, os anos…..

Será que se enganaram? Será que um dia tem, afinal, apenas 12h e não 24? No dia seguinte recomeça….
Tempo. Talvez seja um dos bens mais preciosos dos dias de hoje… porque é o que mais escasseia. Não temos tempo para comer de forma saudável, porque a reunião foi longa e vamos de seguida para outra. Petisca-se qualquer coisa ali no café. Não temos tempo para ir ao médico, porque o patrão não gosta, porque o trabalho se acumula, é o caos! Não temos tempo para brincar com os nossos filhos, porque chegamos tarde e ainda temos que: ajudar a fazer os tpc’s, corrigi-los, fazer o jantar, jantar, dar banho, ajudar (obrigar?) a lavar os dentes, vestir pijamas, deitá-los, contar história, por roupa a lavar, lavar a loiça, preparar as mochilas para o dia seguinte, as roupas do dia seguinte, arrumar a cozinha, os brinquedos, os livros…. Ufa!! Sim, são 23h30, ou 23h45, ou 00h30…

Fiz tudo, mas… não olhei para os miúdos com olhos de ver, não falei com o marido, não liguei aos amigos, não li um livro, não me olhei ao espelho, não fui ao ginásio, não ouvi as notícias, não fiz a depilação, não reparei que preciso cortar o cabelo, que a camisa de hoje tinha um buraco….
Tempo. Não é o que mais nos falta hoje em dia?

Vivemos numa sociedade competitiva, passa-se demasiadas horas a trabalhar, luta-se permanentemente para ter a casa, o carro, as férias, os móveis…. Para que tudo isto seja possível, vive-se em “velocidade furiosa”, como se fossemos máquinas!
E assim se volta ao princípio: passam os dias, passam as semanas, os meses, os anos….

Será que chegou a altura de parar?"
MC

terça-feira, 6 de janeiro de 2015

Estamos de volta!!!


Bom dia!!! Já estávamos com saudades….
Estamos de volta, depois desta pequena ausência relacionada com as Festas, que esperamos tenham sido as melhores.

Estivemos ausentes, mas sempre a trabalhar, em prol da mediação…
Já leram a Revista Business de Dezembro? Pois é, nós estamos por lá….




E em breve teremos mais novidades.
Obrigada por estarem desse lado….

segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Bom Natal!!!

A Mediamus e a sua equipa deseja a todos um Natal muito feliz. Que 2015 seja um ano cheio de emoções fortes e muita mediação..... Obrigada pelo apoio e por estarem desse lado.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Testemunho - Mediação Familiar


Boa tarde,
Já estavámos com saudades….
Estamos a preparar imensas novidades, razão pela qual temos estado um pouco ausentes.
Um delas é o que abaixo vos deixamos. Publicamos uma pequena entrevista que fizémos com Ana (nome fictício a pedido da entrevistada), mãe de três filhas, que se divorciou acerca de 2 anos. Ana quis recorrer à Mediação Familiar e, após algumas tentativas para convencer o ex-marido de que este era o melhor caminho, lá conseguiu e iniciaram o processo. Passados três meses e meio a Ana estava divorciada e todos os assuntos relacionados com as suas filhas resolvidos. Pedimos-lhe que partilhasse a sua experiência connosco e com quem nos lê… aqui fica o seu testemunho.

Mediamus - Ana, explique-nos: porquê esta opção pela mediação familiar?
Ana - Para mim era a opção lógica. Estava completamente fora de questão andar anos em Tribunais para, muitas vezes, não se resolver nada. O fim do meu casamento foi muito doloroso, tive imensos problemas com o meu ex-marido, que não percebia que tudo tinha acabado. Passava o tempo todo a ameaçar-me que ia para Tribunal, que me tirava tudo, até as filhas, mas eu não queria acreditar que o futuro das minhas filhas teria que passar por verem os seus pais de costas voltadas para sempre. Tenho uma amiga que se divorciou através da mediação familiar e que, embora não tivessem filhos, ficou com a melhor impressão do processo e da mediadora. Achei que valia a pena tentar.

M. - E o seu ex-marido? Como reagiu?
Ana - Bom, inicialmente rejeitou claro! Tive de facto algum trabalho para o convencer, mas valeu a pena.
M. - E o que fez para o convencer?
Ana - Tive uma séria conversa com ele, mas antes recorri à influência dos amigos mais próximos. Fiz-lhes ver que seriam as miúdas quem mais iriam sofrer se não tentássemos resolver tudo da melhor maneira. E depois de algum tempo e de muita insistência, lá fomos.

M. - O que mais gostou no processo de mediação familiar?
Ana - Ui, tanta coisa…. Desde logo a mediadora. Sempre atenta, muito simpática… Dizem que os juízes devem ser imparciais, mas confesso-lhe que tomara muitos juízes serem tão imparciais como a mediadora. Nunca senti, em momento nenhum, que ela compreendesse um mais do que o outro, defendesse um ou o outro. E achei o máximo o facto de estar sempre preocupada com as miúdas: como estavam, como se sentiam, se concordavam com as nossas decisões, como estavam a reagir às experiências que fomos fazendo. E sempre que a conversa descambava, lá vinha outra vez a chamada de atenção para as miúdas… enfim, não nos deixou esquecer que mais importante do que o que discutíamos era o bem estar das nossas filhas. Depois, o facto de termos tido oportunidade de conversar sobre muita coisa, assuntos que eu achava que já estavam arrumados e não estavam, outros que nem sequer sabia que existiam. Para mim estava tudo acabado e resolvido na minha cabeça e no meu coração, mas para o meu ex-marido não. E as sessões foram-nos permitindo falar sobre esses assuntos que o incomodavam tanto e que o faziam, muitas vezes, reagir tão mal a qualquer coisa que eu lhe dissesse ou fizesse. No início da mediação foi muito complicado, achei até que aquilo se calhar não ia durar muito. Sempre com maus modos, a acusar-me de tudo e de nada. Eu tentava manter a calma, mas nem sempre consegui. Mas depois, com a ajuda da mediadora, lá fomos “limpando” e “arrumando” as gavetas, os assuntos…. A partir de certa altura foi notória a alteração do comportamento do meu ex-marido: deixou de andar com um ar tão carregado, já sorria, às vezes até falava comigo antes de entrarmos para a sala…. É engraçado perceber agora essa mudança de atitude.

M. - Acha que foi a possibilidade de “arrumarem as gavetas”, como referiu, que contribuiu para essa mudança?
Ana - Não tenho dúvidas. Mas sem a ajuda da mediadora provavelmente não teríamos conseguido. Tenho  certeza que em certos momentos também não deve ter sido fácil para ela, mas a sua calma, ponderação e sensatez fez com que nós conseguíssemos ultrapassar barreiras que achávamos inultrapassáveis.
M. - E o que acha que teria sido diferente se tivessem recorrido aos tribunais?
Ana - Desde logo a decisão. Na mediação a decisão é minha, não de um juíz. Ou seja, fomos nós, eu e o meu ex-marido, que decidimos todas as questões. Um juíz, por melhor profissional que seja, por mais que queira ajudar, não conhece as minhas filhas nem a nossa realidade familiar. Custa-me pensar que uma pessoa que não conheço de lado nenhum pudesse decidir sobre o destino das minhas filhas e da minha vida. Depois, o tempo que demora qualquer decisão de um tribunal. Tenho amigas que cujos processos duram três e quatro anos, só para definir as responsabilidades parentais. Depois vêm os incumprimentos… enfim, nunca mais tem fim. Eu fiquei com a minha vida resolvida em três meses e meio!!
M. - Já passaram dois anos. Como é que está a correr este período pós-divórcio?
Ana - Globalmente muito bem. Pontualmente, já discordámos aqui e ali com as decisões um do outro, mas nada que pudesse por em causa o que decidimos e construímos até agora. Vemos as nossas filhas felizes e isso é o mais importante. Conseguimos encontrar formas de ultrapassar essas discordâncias, muitas vezes até recorrendo aos métodos que usámos na mediação. E tudo tem corrido muito bem. O meu ex-marido tem uma nova companheira, com quem as minhas filhas se dão muito bem. Estabelecemos logo as regras e os limites desde o início e todos temos feito um esforço para que tudo corra bem e assim tem sido.
M. - Sabendo o que sabe hoje, aconselha o recurso à mediação familiar?
Ana - Sim, sem dúvida nenhuma. Duvido que depois de um processo em Tribunal tudo corresse tão bem como tem corrido após a mediação.

Ana, muito obrigada pela sua partilha.